23|1981|10.02

14.3.03

[passeio]

As coisas mudaram quando tudo parou. Foi quando ela se deu conta de que em sua vida não havia mais transformações nem novidades, e a culpa era dela. Ela tinha parado a sua vida para pensar. Não chegou aonde queria. Resolveu ficar no meio do caminho.
Sentava em meio a dois casais amigos quando viu aquele sorriso. A lembrança dos beijos apaixonados, e de todas as lágrimas caídas fizeram-na lembrar de si mesma. Sentiu nostalgia quando se lembrou de quem era. Voltando à mesa, o sorriso ao lado era convidativo, as mãos a chamavam para uma conversa. Ela se levantou e foi até o abraço dele.
Olhos nos olhos: Como vai você? Eu preciso saber. A resposta foi sim, mas a verdade era não. Ela não tinha porque se lamentar da sua situação àquele estranho antes tão íntimo. A distância os afastara, o tempo já tinha fechado as feridas, e as recusas aos convites dele, feitos há um ano atrás, já tinham lhe devolvido o sentimento de amor próprio.
Ele envelhecera, aparentemente. Ela estava linda e auto-confiante.
Um convite para a festa daquela noite era só um pretexto, mas ele sabia que não cabia outro tipo de convite naquele primeiro momento. Fingia-se a intenção de uma amizade.
Como nos velhos tempos, ela esperava na garagem de casa, portão aberto, luz apagada, noite de chuva. Não havia medo dele não aparecer mais vez, ela não estava nervosa, nem ansiosa, muito menos pensando ser uma noite especial, ela simplesmente estava lá, esperando, sem pensar o porque de estar ali parada. O carro chegava devagar.
Eles, fingindo que iam para a festa, sabiam que não iam para lá. Chovia, o trânsito estava congestionado. As mãos se encontraram, os dedos cruzados se apertaram, o beijo já estava demorando de mais para acontecer.
Toda magia daquele grande encontro se resumiu então em um simples sentimento: tesão. Ela sentia tesão. Todo o saudosismo da paixão antiga foi deixado de lado, ele nada mais era que um rosto bonito, um pedaço de carne, quem ela sabia ser uma boa pessoa, e acima de tudo, uma pessoa limpa - sua eterna mania de higiene e limpeza.
O beijo era bom, ela não se lembrava se antes era bom ou não. O corpo perdera a antiga forma tão admirada e desejada, mas ainda era bonito. O sexo era bom, e ela também não se lembrava. Mas por que raios não conseguia se lembrar se já haviam transado antes!?
Achou melhor não perguntar isso para ele. Calou-se fez o que tinha vontade, sem muita paciência para olhar nos olhos dele, sem muita dedicação em lhe fazer carinho ou beijar a sua boca. Ele cobriu-lhe o corpo com uma toalha e se deitou ao seu lado, queria conversar. Ela admirava seu próprio corpo refletido no espelho, ele falava. Ela surpreendeu-se ao ver que ele era culto, apesar do jeito simples, tinha muita cultura, já era um dentista formado e especializado. Sentiu vergonha por estar surpreendida com a cultura dele, vergonha por tê-lo subestimado.
Hora de ir para casa. Silêncio no carro.
- Foi bom ter te reencontrado.
- Muito, não acha?
- Muito. Vê se não some....
- Não, não sumo. Eu te ligo.
Ela começou a rir. Falava muito e ria. Estava leve, estava realizada. Na porta de casa se despediu com um selinho rápido, desceu do carro rindo, entrou em casa rindo.
Tentou se lembrar dos seus problemas, mas não lhe ocorreu nenhum naquela hora.